« É preciso indignar-se » diz Papa Francisco em sua carta « Querida Amazonia 14-15 »

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"Às operações econômicas que danificam a Amazônia há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime”

NOTA DOS BISPOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA SOBRE A SITUAÇÃO DOS POVOS E DA FLORESTA EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19 

« Às operações econômicas que danificam a Amazônia há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime” 

“É preciso indignar-se ».  (Papa Francisco – Querida Amazônia, 14-15) 

 Nós bispos da Amazônia, diante do avanço descontrolado da COVID 19 no Brasil, especialmente na Amazônia, manifestamos nossa imensa preocupação e exigimos maior atenção dos governos federal e estaduais à essa enfermidade que cada vez mais se alastra nesta região. Os povos da Amazônia reclamam das autoridades uma atenção especial para que sua vida não seja ainda mais violentada. O índice de letalidade é um dos maiores do país e a sociedade já assiste ao colapso dos sistemas de saúde nas principais cidades, como Manaus e Belém. As estatísticas veiculadas pelos meios de comunicação não correspondem à realidade. A testagem é insuficiente para saber a real expansão do vírus. Muita gente com evidentes sintomas da doença morre em casa sem assistência médica e acesso a um hospital. 

Artistas da Amazonia denunciam a destruição da Amazonia (video apresentado durante a COP21 em Paris) Adelson Santos, Karine Aguiar & Ygor Saunier

Diante deste cenário de pandemia incumbe aos poderes públicos a implementação de estratégias responsáveis de cuidado para com os setores populacionais mais vulneráveis. Os povos indígenas, quilombolas, e outras comunidades tradicionais correm grandes riscos que se estendem também à floresta, dado o papel importante dessas comunidades em sua conservação. 

Os dados são alarmantes: a região possui a menor proporção de hospitais do país, de baixa e alta complexidades (apenas 10%). Extensas áreas do território amazônico não dispõem de leitos de UTI e apenas poucos municípios atendem aos requisitos mínimos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em número de leitos e de UTIs por habitante (10 leitos de UTI por 100 mil usuários). 

Além dos povos da floresta, as populações urbanas, especialmente nas periferias, estão expostas e têm suas condições de vida ainda mais degradadas pela falta de saneamento básico, moradia digna, alimentação e emprego. São migrantes, refugiados, indígenas urbanos, trabalhadores das indústrias, trabalhadoras domésticas, pessoas que vivem do trabalho informal que clamam pela proteção da saúde. É obrigação do Estado garantir os direitos afirmados na Constituição Federal oferecendo condições mínimas para que possam atravessar este grave momento. 

A garimpagem, a mineração e o desmatamento para o monocultivo de soja e a criação de gado para exportação vêm aumentando assustadoramente nos últimos anos. De acordo com o sistema Deter-B, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na floresta Amazônica cresceu 29,9% em março de 2020, se comparado ao mesmo mês do ano passado. Contribuem para esse crescimento o notório afrouxamento das fiscalizações e o contínuo discurso político do governo federal contra a proteção ambiental e as áreas indígenas protegidas pela Constituição Federal (Art. 231 e 232). O coronavírus que nos assola agora e a crise socioambiental já fazem vislumbrar uma imensa tragédia humanitária causada por um colapso estrutural. Com a Amazônia cada vez mais arrasada, sucessivas pandemias ainda virão, piores do que esta que vivemos atualmente. 

Preocupa-nos imensamente o aumento da violência no Campo, 23% a mais que em 2018. No ano de 2019, segundo dados do “Caderno Conflitos no Campo Brasil 2019”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT Nacional), 84% dos assassinatos (27 de 32) e 73% das tentativas de assassinato (22 de 30) aconteceram na Amazônia. Causas do aumento da violência no campo e do desmatamento da floresta amazônica são sem dúvida a extinção, sucateamento, desestruturação financeira e a instrumentalização política de órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e de órgãos de fiscalização e de controle agrícola, ambiental e trabalhista. 

Inquieta-nos também a militarização da Conselho Nacional da Amazônia Legal, conforme Decreto nº 10.239de 11 de fevereiro de 2020, formado somente pelo governo federal, sem a participação dos estados, dos municípios, nem da sociedade civil, e a sua transferência do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência da República. 

Nós, bispos da Amazônia brasileira que assinamos esta nota, convocamos a Igreja e toda a Sociedade para exigir medidas urgentes do Governo Federal, do Congresso Nacional, dos Governos Estaduais e das Assembleias Legislativas, a fim de: 

● Salvar vidas humanas, reconstruir comunidades e relações por meio do fortalecimento de políticas públicas, em especial do Sistema Único de Saúde (SUS); 

● Repudiar discursos que desqualificam e desacreditam a eficácia das estratégias científicas; 

● Adotar medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas, em função do risco de transmissão do novo coronavírus, exceto para os profissionais dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI); 

● Realizar testagem na população indígena para adotar as necessárias medidas de isolamento e evitar a disseminação da COVID-19; 

● Fornecer os equipamentos de proteção individual (EPI) recomendados pela Organização Mundial de Saúde, em quantidade adequada e com instruções de uso e descarte corretos; 

● Proteger os profissionais de saúde que estão atuando nas frentes da saúde dos povos, acompanhando-os também nas suas fragilidades psicológicas e físicas; 

● Garantir a segurança alimentar dos núcleos familiares indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais populações tradicionais da Amazônia; 

● Fortalecer as medidas de fiscalização contra o desmatamento, mineração e garimpo, sobretudo em terras indígenas e tradicionais e áreas de proteção ambiental; 

● Garantir a participação da sociedade civil, movimentos sociais e de representantes das populações tradicionais nos espaços de deliberações políticas; 

● Rejeitar a Medida Provisória 910/2019, que propõe uma nova regularização fundiária no Brasil, pois ela elimina a reforma agrária, a regularização de territórios dos povos originários e tradicionais, favorece a grilagem de terras, o desmatamento e os empreendimentos predatórios, regulariza as ocupações ilegais feitas pelo agronegócio, promove a liquidação de terras públicas da União a preços irrisórios e autoriza a aquisição de terras pelo capital estrangeiro, a exploração especulativa de florestas e incentiva a invasão e devastação de terras indígenas e territórios tradicionais; 

● Rejeitar o PL 191/2020 que regulamenta o Artigo 176,1 e o Artigo 231,3 da Constituição Federal estabelecendo as condições específicas para a realização de pesquisa e lavra dos recursos minerais e hídricos em terras indígenas. 

● Revogar o Decreto nº 10.239/2020, voltando o Conselho Nacional da Amazônia Legal para o Ministério do Meio Ambiente, com a participação de representantes da FUNAI e do IBAMA e de outras organizações da sociedade civil, indígenas ou indigenistas como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atuam na Amazônia. 

● Revogar a Instrução Normativa 09/2020 da FUNAI, que permite que a invasão, exploração e até comercialização em terras indígenas ainda não homologadas. 

A Igreja na Amazônia, após um rico processo de escuta para a realização da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, está atenta a estes cenários e exige, ecoando os gritos dos Pobres e da Terra, que sejam tomadas medidas urgentes para barrar atividades predatórias e, ao mesmo tempo, investir esforços em alternativas à falida proposta de progresso e desenvolvimento que destroem a Amazônia e atentam contra a vida de seus povos. 

Nossa Senhora de Nazaré, Rainha da Amazônia, nos acompanhe e socorra em nosso desejo de servir aos pobres e na defesa intransigente da justiça e da verdade. 

Brasília-DF, 4 de maio de 2020

Assinam esta nota: 

Cardeal Cláudio Hummes, OFM – Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia 

Regional Norte 1 

Dom Adolfo Zon Pereira, S.X – Diocese de Alto Solimões 

Dom Edmilson Tadeu Canavarros dos Santos, SDB – Arquidiocese de Manaus (Auxiliar) 

Dom Edson Tasquetto Damian – Diocese de São Gabriel da Cachoeira 

Dom Fernando Barbosa dos Santos, CM – Diocese de Tefé 

Dom José Albuquerque Araújo – Arquidiocese de Manaus (Auxiliar) 

Dom José Ionilton Lisboa de Araújo, SDV – Prelazia de Itacoatiara

Dom Marcos Marian Piatek, CSSR – Diocese de Coari 

Dom Mário Antônio da Silva – Diocese de Roraima 

Dom Mário Pasqualloto, PIME – Arquidiocese de Manaus (Auxiliar Emérito) 

Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM – Arquidiocese de Manaus 

Dom Zenildo Luiz Pereira da Silva, C.SS.R – Prelazia de Borba 

Dom Sérgio Eduardo Castriani, CSSp – Arquidiocese de Manaus (Emérito) 

Regional Norte 2 

Dom Alberto Taveira Corrêa – Arquidiocese de Belém 

Dom Alessio Saccardo – Diocese de Ponta de Pedras (Émerito) 

Dom Antônio de Assis Ribeiro, SDB – Arquidiocese de Belém (Auxiliar) 

Dom Bernardo Johannes Bahlmann, OFM – Diocese de Ôbidos 

Dom Carlos Verzeletti – Diocese de Castanhal 

Dom Erwin Krautler, CPPS – Diocese do Xingú (Emérito) 

Dom Evaristo Pascoal Spengler, OFM – Prelazia do Marajó 

Dom Irineu Roman, CSJ – Arquidiocese de Santarém 

Dom Jesus Maria Cizaurre Berdonces, OAR – Diocese de Bragança 

Dom Jesús María López Mauleón, OAR – Prelazia Alto Xingu /Tucumã 

Dom João Muniz Alves, OFM – Diocese do Xingú 

Dom José Altevir da Silva, CSSp – Diocese de Cametá 

Dom José Azcona Hermoso, OAR – Prelazia do Marajó (Emérito) 

Dom José Maria Chaves dos Reis – Diocese de Abaetetuba 

Dom Luís Ferrando – Diocese de Bragança (Emérito) 

Dom Pedro José Conti – Diocese de Macapá 

Dom Teodoro Mendes Tavares, CSSp – Diocese de Ponta de Pedras 

Dom Vital Corbellini – Diocese de Marabá 

Dom Wilmar Santim, Ocarm – Prelazia de Itaituba 

Regional Norte 3 

Dom Adriano Ciocca Vasino – Prelazia de São Félix do Araguaia 

Dom Dominique Marie Jean Denis You – Diocese de Santíssima Conceição do Araguaia 

Dom Giovane Pereira de Melo – Diocese de Tocantinópolis 

Dom Pedro Brito Guimarães – Arquidiocese de Palmas 

Dom Philip Dickmans – Diocese de Miracema do Tocantins 

Dom Romualdo Matias Kujawski – Diocese de Porto Nacional 

Dom Wellington de Queiroz Vieira – Diocese de Cristalândia 

Regional Noroeste 

Dom Benedito Araújo – Diocese de Guajará-Mirim 

Dom Flávio Giovenale, SDB – Diocese de Cruzeiro do Sul 

Dom Joaquín Pertiñez Fernández, OAR – Diocese de Rio Branco 

Dom Meinrad Francisco Merkel, CSSp – Diocese de Humaitá 

Dom Mosé João Pontelo, CSSp – Diocese de Cruzeiro do Sul (Emérito) 

Dom Roque Paloschi – Arquidiocese de Porto Velho 

Dom Santiago Sánchez SebastiánOAR – Prelazia de Lábrea 

Pe. José Celestino dos Santos – Diocese de Ji-paraná (Administrador Diocesano) 

Regional Nordeste 5 

Dom Armando Martín Gutiérrez, FAM – Diocese de Bacabal 

Dom Elio Rama, IMC – Diocese de Pinheiro 

Dom Evaldo Carvalho dos Santos, CM – Diocese de Viana 

Dom Francisco Lima Soares – Diocese de Carolina 

Dom João Kot, OMI – Diocese de Zé Doca 

Dom José Belisário da Silva, OFM – Arquidiocese de São Luís do Maranhão 

Dom José Valdeci Santos Mendes – Diocese de Brejo 

Dom Rubival Cabral Britto, OFMCap – Diocese de Grajaú 

Dom Sebastião Bandeira Coêlho – Diocese de Coroatá 

Dom Sebastião Lima Duarte – Diocese de Caxias do Maranhão 

Dom Vilsom Basso, SCJ – Diocese de Imperatriz 

Pe. Nadir Luís Zancheti – Diocese de Balsas (Administrador Diocesano) 

Regional Oeste 2 

Dom Canísio Klaus – Diocese de Sinop 

Dom Derek John Christopher Byrne, SPS – Diocese de Primavera do Leste-Paranatinga 

Dom Jacy Diniz Rocha – Diocese de São Luís dos Cárceres 

Dom Juventino Kestering – Diocese de Rondonópolis-Guiratinga 

Dom Milton Antonio dos Santos, SDB – Arquidiocese de Cuiabá 

Dom Neri José Tondello – Diocese de Juína 

Dom Protogenes José Luft, SdC – Diocese de Barra do Garças 

Dom Vital Chitolina, SCJ – Diocese de Diamantino